QUALIDADE DE VIDA AMBIENTAL NO PARÁ

ALEPA0003

O discurso à moda Xingu…

Belém, 06.06.016

Auditório da ALEPA, Assembleia Legislativa do Estado do Pará, solenidade de entrega de medalhas de

Qualidade de Vida Ambiental no Pará

André Costa Nunes

Orador oficial, diz-que…

Houve um tempo em que, sem nenhum compromisso com as verdades formatadas, eu pensava: Deus primeiro fez a Amazônia, exatamente o Pará, depois fez um homem e uma mulher. E disse-lhes crescei e multiplicai-vos. Deve ter dito também… e sejam felizes.

Pensem bem, em que outro lugar do Planeta poderiam viver, um homem e uma mulher sem roupas? Sem frio, neve, terremotos, tsunamis? Em que o ano inteiro tivesse folha, flor, raiz, fruto, sol e chuva na medida exata? Em que outro lugar existem o Marajó, Marudá, Alter do Chão, Xingu, Tapajós, Curuá, Curuái, Lago Grande, Tocantins, Uriboca, Uriboquinha, Mosqueiro, Maiandeua, milhares de ilhas, grandes, pequenas, ilhotas? Rios grandes, enormes e igarapés?

E tucumã, mandioca, macaxeira, castanha-do-Pará, cupu, bacuri, pupunha, açaí, taperebá, cacau, uxi, sei, lá, gente é tanta coisa… e anta, veado, paca, cotia, macaco… e arara, jacu, jacamim, nambu, papagaio… e jaboti, tracajá, pitiu, tartaruga, muçuã, perema… e peixe-boi, pirarucu…

É, seu parente, o Éden é aqui!

E, creio, minha geração já o recebeu assim. Pronto, preservado, não precisava fazer muito esforço para usufruir essa Qualidade de Vida Ambiental. Isso, já se vê, pelos meus cabelos brancos, já faz um bom tempo…

Mas, sempre tem que ter um “mas” para atrapalhar, os homens não estavam satisfeitos. Não que se precisasse abrir mão do progresso, do conforto, das conquistas legítimas da humanidade. Não é isso que se quer. Eu, caboco do Xingu, sonhava com um meio termo. Como é moda hoje, um TAC – Termo de Ajustamento de Conduta com a natureza. Acordo de compadres, como secularmente se fez.

O Grande Rio e os rios, sempre foram os mandatários de todos os destinos nessa imensa e “ridente” Amazônia. Nunca, que se saiba, abusou de tão grande autoridade, outorgada pela própria Pacha Mama.

Os rios eram as estradas. Morava-se nas suas margens. Terra firme e várzea. Várzea alta, várzea baixa. Na calha do Amazonas as ilhas são de várzea. Quem vive nas ilhas que alagam, respeitam as águas. Fazem suas casas sobre estacas de maçaranduba ou acariquara. Palafitas. Não tem essa de inundação, calamidade. Todo mundo sabe até onde vai a água, ficam as marcas nos paus. Marcas das enchentes dos outros anos. Não há enxurrada como se vê mundo a fora. Onde não há maré, ela vem uma vez por ano. Vem devagar, como a pedir licença ao compadre. Inunda, fertiliza, faz piracema. Deixa fartura e se retira. Só volta no próximo ano.

O bom de se ficar velho é, como diz Gabriel Garcia Marquez viver para contar. E é só…

Vivi intensamente a Amazônia, vivi Altamira, Santarém, Vigia, Marituba mesmo antes de ser. E minha querida Belém. Não sou do tempo dos igarapés urbanos que faziam sonhar os barões da Belle Époque com um misto de Paris com Veneza. Mas conheci bairros inteiros com dezenas de igarapés preservados. Coqueiro, Tenoné, Icoaraci, Maracacuera, Una. E, logo ali, bem colados, Ananindeua e mais, estrada a fora. Estrada de ferro.

Todos os da chamada Região Metropolitana de Belém, tornaram-se esgotos a céu aberto. Até, menos de um ano atrás, dois escapavam: os rios Uriboca e Uriboquinha, nascendo em Marituba para desembocar no Guamá, já em Ananindeua. Eram, para nosso orgulho os únicos rios ainda não poluídos de todas as áreas metropolitanas do Brasil, disso se falará em outra oportunidade. E, eu juro, se falará!

Pois é, gente, isso tudo que se disse foi para demostrar, que não é tão difícil cumprir aquele TAC de que eu falei antes. Se não dá para fazer tudo, é possível fazer muito. Um bom começo é parar a degradação.

Há quase meio século, um amigo, guru e cientista, Doutor Joaquim Lopes apresentou-me ao rio Uriboca/Uriboquinha. Havíamo-nos conhecido em Santarém, em fins de 63, começo de 64. Ele com mais de sessenta anos, eu com pouco mais de vinte. Ele, agrônomo do Ministério da Agricultura, e eu, Agente de Crédito às Cooperativas. Banco da Amazônia. Sonhávamos em criar tartaruga e pirarucu. Naqueles tempos, sonhar não tinha idade.

Não deu.

Encontramo-nos sete ou oito anos depois já em Belém. De permeio houve um golpe, uma ditadura e a diáspora.

Logo que nos encontramos, antes mesmo do “como tens passado”? Começamos a falar de ecologia. Pirarucu e tartaruga. O sonho não havia acabado!

Ninguém pensava em ganhar dinheiro. Banco da Amazônia, SPEVEA/Sudam, não estavam nos nossos planos. Essas coisas não cabem em sonhos.

Ele foi quem descobriu o tal terreno do Uriboca. Pense naquela estradinha há mais de quarenta anos…

Já quase não havia floresta. Era tudo roçado de mandioca. Roça de terra ruim, pedra, piçarra. O tal rio Uriboquinha, uma poça de lavar roupa. Ele, quase setenta anos, entusiasmado. Eu desanimado. E fazia planos à beira de um baixão seco: André, daqui a 30 anos, ninguém vai reconhecer este lugar. Só as pedras por viram como era antes…

Éramos dois lisos. Ele, funcionário público e eu motorista da Coca-Cola. Só deus sabe como compramos, à prestação, aquele terreno.

Reflorestamos mais de 15 ha com a ajuda luxuosa de macacos, cotias, tucanos, papagaios e sabiás.

O rio reviveu. Deu certo. O meu amigo cientista visionário tinha razão.

Com muita luta, percalços e alegrias, estamos fazendo nossa parte.

Assim, mais de quarenta anos depois, surgiu o TERRA DO MEIO. Um restaurante rural ribeirinho. A cara do Pará de sempre.

Certo dia apareceu por lá um deputado. Não era o primeiro a frequentar nosso restaurante. Modéstia à parte, dizem que a comida é muito boa, mas ele e sua gente não foram almoçar e, sim, falar de ecologia. Deputado Raimundo Santos. De repente, sentimos que não estávamos sós. Eu e os 78 colaboradores diretos do TERRA DO MEIO. “Todos”, mas todos mesmo moradores da vizinhança.

(Meus quinze minutos estão acabando)

E, assim, estamos aqui contando esta história de apreensão e de alegria, de que, não só de grandes projetos e orçamentos fenomenais se pode viver Qualidade de Vida Ambiental no Pará.

Neste momento, dirijo-me diretamente ao deputado ecologista Raimundo Santos e a toda à Assembleia Legislativa do Estado do Pará, que se faça um programa urgente de detecção e identificação de nascentes começando nas zonas urbanas, suburbanas e periféricas das cidades e, a partir daí ou concomitantemente, seu resguardo e proteção. E em pouco tempo, sem inversões fabulosas de dinheiro, estaremos protegendo os mananciais e veremos nascer empreendimentos simples, sustentáveis para o povo. Serão centenas, milhares de TERRAS DO MEIO… e o mais importante: talvez o povo passe a gostar de ver e cuidar das nascentes bem ali, na vizinhança, ao alcance das crianças e idosos.

Será povo vendo água pura brotar e murmurar a canção primeira da natureza. Aí será mais difícil aos agentes do mal plantarem, nestas fontes, aterro, concreto, lixões.

Obrigado.

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XINGU – Contos & Causos (lançamento do livro)

Os amigos irão, tenho certeza, vai ter coquetel, inclusive jamburana, acepipes (esta foi do fundo do baú), sarau (esta também e quem vai tocar e cantar eu digo mais tarde). Ah! amigo, mas amigo mesmo compartilha. 
Obrigado,
andre costa nunes

LIVRO XINGU____________________________________/

O RIO XINGU!Xingu à Proa!

Xingu à Proa!

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DOIS MÉDICOS CUBANOS

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DOIS MÉDICOS CUBANOS

Uma crônica oportuna

André Costa Nunes

*Conto, à clef, como me lembro, ou me contaram.

Era coisa de umas cinco horas da tarde. O mês, fevereiro. O sol já se havia quebrado por detrás de Altamira em busca de agasalho para passar a noite. Era a hora em que a turma começava a descer para a beira do rio. Banho, papo e cana. O Xingu estava mais cheio do que de costume para aquela época do ano. Cedo iria tufar o igarapé e desalojar o Seu Otávio Neri, dono da última casa da Rua da Frente. Era ali a parada obrigatória para o primeiro gole no armazém.

Como ainda era ainda cedo, estávamos somente eu, o Pedro da Natalina, o Augusto Mário e o Zé do Mané Paulo. O Zé trouxe a cana, duas ou três garrafas. Cachaça Bem-te-vi engarrafada em Muaná pelo pai do meu amigo Floriano Barbosa. O armazém do Seu Otávio Neri era estratégico, pois como se disse, ficava quase na desembocadura do Igarapé Altamira com o Xinguzão. E tinha porto de lavar roupa nas águas grandes. Mas havia outras vantagens o tal ponto de encontro. Não entrávamos na casa. Ficávamos só no armazém amesendados em cima das caixas de óleo Solarina ou mesmo dos sacos de farinha. Abríamos a garrafa empurrando a rolha para dentro. Aí, para gaiatice do Zé, aparecia o colírio. As filhas do Seu Otávio. Sem que fossem pedidos, já vinham rindo com os copos. A Mocinha, ainda muito nova, mas já um pedaço de mulher, ria com os olhos. Para nós outros, mais velhos, apenas fedelhas.

Ali, em meio a mercadoria que ia abastecer o Seringal, esvaziávamos a primeira garrafa tirando gosto com lascas de jabá crua.

Foi nesse momento que o Pedro da Natalina deu com olhos em uma pilha de sacos de açúcar. De tão melados chegavam a pingar. Naqueles tempos, açúcar enxutinho, branco, desses da Capital era muito raro. Tinha-se que imediatamente tirá-los das sacas e botar nas latas. Latas com tampas de pressão. Aquelas umas em que iam as bolachas de soda da Palmeira. E o Pedro olhando e matutando para um enxame de abelhas que cobria o saco de cima. Prestava a atenção em todas e em cada uma. Pouco demoravam pousadas naquela mina doce e já voavam de volta à colmeia. Não sei porque paramos o conversê e pusemo-nos também a olhar as abelhas, quando o Pedro da Natalina saiu-se com essa:

– Mas assim, até eu faço mel.

***

– André, por onde andas? Estou te procurando há três dias. Chegou a hora. Preciso de tua ajuda.

– Conta comigo, cara, quando?

– Hoje, agora, vem almoçar aqui em casa.

– Mas são sete da matina… tentei ponderar.

– Sei, mas preciso falar contigo antes do almoço, aliás, antes mesmo que eles acordem.

– Eles quem, cara?

– Os médicos cubanos e não me pergunta mais nada, por favor, dá um jeito e vem.

Esse, “por favor” já estava demorando. O meu amigo Newton Bellesi faz o gênero correto, afável, gentil e educado. Não era preciso. Ele sabia que eu ia. Devia-lhe a finesa do tratamento de uma doença braba e extremamente dolorosa. Herpes zoster. O que em Altamira chamamos de cobreiro.

Essa história começara havia pelo menos dois meses. Eu já morava no Uriboca, em Marituba, mas nem sonhava com abrir restaurante. Era apenas a minha casa. Um sítio grande, com igarapé e quase totalmente coberto de floresta. E para que não houvesse dúvida havia uma placa com o criativo nome de Sítio do André. Esse negócio de Terra do Meio muito surgiu depois. Eu estava na maloca da beira do rio lendo algum livro desimportante, quando ele chegou com um sorriso nos lábios e uma garrafa de uísque na mão. Não posso dizer que foi de surpresa, pois ele sempre aparecia, desde o tempo em que eu morava na Duque. Abancou-se, pediu copo e gelo e tira-gosto. Não me lembro mais, acho que era queijo com azeite e pimenta do reino. E pão.

O Bellesi não é do tipo expansivo que vai logo ao assunto. Acho que carece de, por pura elegância, concertar um preâmbulo, começando por outro assunto que não o que viera tratar. A velha conversa de “cerca Lourenço”. Lá pras tantas, quando ele havia bebido duas ou três doses, e eu a metade da garrafa, começou a contar que havia chegado de férias. Fora, conforme disse, com dois ou três casais de amigos, fazer, um périplo pelo Caribe. Quando ele falou périplo, eu pensei, aí vem coisa.

Périplo não é palavra para ser gasta em beira de igarapé!

– Pois é, André, como eu estava dizendo, depois de curtir uma meia dúzia de ilhas paradisíacas, chegamos a um resort na Jamaica. Seriam mais dez dias de “dolce far-niente”. Aí bateu o tédio. Foi quando alguém do nosso grupo chegou com uma novidade que soubera no lobby do hotel. Havia uma promoção para uma semana em Cuba por preço de banana. Uma hora de voo.

– Para resumir, entramos em Cuba pela porta dos fundos. Uma merda. Para começar o avião da Cubana de Aviación era parecido com aqueles turboélices Fockers da Paraense, que a gente batizou de Hirondelle. A estação de passageiros, idem, pior do que a nossa. Em volta da pista só plantação. Acho que era arroz. Chegamos a Havana no meio da tarde. No primeiro dia, descanso e uma espécie de luau lá mesmo na beira da piscina do hotel. No outro dia cedo, aquele ritual chato de passeios programados. Havia uma espécie de gerente que organizava os grupos e roteiros. No segundo dia abordei o tal gerente. Apresentei-me como médico, elogiei, sem convicção, o avanço da medicina cubana e perguntei-lhe se havia a possibilidade da visita a um hospital de referência, mesmo que fosse por instantes.

E, continuou: -Cara, isso fez toda a diferença. Praticamente acampei no hospital. Ao fim da estada programada do pacote abandonei o grupo. Eles voltaram e eu fiquei. Cada detalhe, cada procedimento, eram únicos e a simpatia do pessoal me cativou desde a primeira hora. Abriram todas as portas para mim, sem reservas ou vaidades. Foi quando descobri, dentre outros avanços, um aparelho administrado, para sorte minha, naquele mesmo hospital. Foi amor à primeira vista. Chama-se SUMA – Sistema Ultra Micro-Analítico de Diagnose.

-Desenvolvido por um tal Centro de Ingenieria Genetica y Biotecnologia e operado pelo Centro de Inmunoensayo, acho que de lá mesmo do hospital. É todo computadorizado, compacto, que com uma gota de sangue é capaz de fazer um mundo de exames. Além desses de rotina e outros tantos mais, prevê com antecedência mínima de dez anos a predisposição do paciente a vários tipos de doenças, até de câncer. Inclusive o de mama. Fora um mundo de outras aplicações. Já viste que eu tinha que trazer esse aparelho para o Brasil.

– Quando, entusiasmado, falei das minhas pretensões, a negativa foi peremptória, o que já era de se esperar. Os colegas, embora solícitos, tinham todos os argumentos do mundo. Aduana, de lá e de cá, as certificações de normas técnicas, principalmente quanto a um equipamento de tecnologia completamente desconhecida no Brasil, o fato de em toda Cuba só haver trinta e seis desses aparelhos etc. ainda havia o perigo maior da pirataria.

Pegou fôlego com um gole do escocês e continuou: – Sabes que não desisto facilmente. Conseguiram-me uma reunião com o tal diretor. O gabinete dele era formado por uma antessala e o escritório propriamente dito. Uma desordem total. Nos dois cômodos. Na antessala havia umas dez pessoas discutindo sobre recursos para alguma coisa. Não entendi bulhufas. Parece que procuravam um consenso para falar com o mandachuva. Depois soube que nenhum era médico. Eram todos engenheiros, físicos, bioquímicos e outras maluquices. Ninguém protestou quando lhes passamos a frente. “El diretor General”, Dr. Manoel Limonta, uma figura simpática, sorridente, lá pelos cinquenta anos de idade, pediu desculpa pela desarrumação, recolheu uns livros e plantas das cadeiras para que nos pudéssemos sentar.

– Demora um pouco aí, -interrompi o Bellesi. – Esse Limonta, não me é estranho, deve ser descendente de um Albertinho Limonta da radionovela “O direito de Nascer”, lá mesmo de Cuba, brinquei só para quebrar a solenidade do relato.

– Tá, não sei do que estás falando, mas deixa-me continuar. Ele já sabia qual era o assunto. O seu semblante era de absoluta incredulidade.

– Então você é o Dr. Newton Bellesi da CLIMEP, no Brasil, a sua clínica é muito conceituada, é um prazer recebê-lo aqui, e uma honra saber do seu interesse por nossas pesquisas e avanços tecnológicos.

– Sabe André, de início espantei-me com seu conhecimento sobre a minha clínica aqui em Belém, mas de pronto lembrei-me da imensidão de formulários que tive que preencher aquando da minha admissão no hospital.

– Pois é, Professor, agradeço pelas palavras generosas a respeito da nossa atividade na Amazônia, mas apenas fazemos o máximo que podemos, dentro, é claro, das nossas limitações. É inegável o conceito mundial dos senhores no desenvolvimento de vacinas e imunologia. E, exatamente vacina e imunologia, são a minha paixão. De certa maneira a razão de eu estar aqui.

– Obrigado Doutor, mas somos colegas, e dispensamos o termo “senhores”, por todos os motivos do mundo. Trate-me por você, camarada, companheiro ou, apenas colega.

– Disse isso rindo de maneira bonachona. Levantou-se, pegou de um armário uma garrafa de rum e quatro copos que trouxe em uma só mão, enfiando, sem cerimônia, os dedos para segurá-los. Não me perguntou se queria e, depois de servir abriu uma caixa de charutos enormes e, aí, sim perguntou se eu fumava. Recusei o charuto, fedorento, mas bebi o rum. Todos fumaram. O que amenizou o ambiente foi que as seis janelas da sala estavam escancaradas. Ainda hoje acho que essa atitude é para chocar o visitante.

– Cara, encurta esse papo, porque o uísque esta acabando e estou cuíra para saber o desfecho. Trouxeste ou não trouxeste a porra do aparelho? Perguntei.

– Claro que não trouxe. Antes mesmo da entrevista ele sabia tudo sobre mim e as minhas intensões, até porque, desde o início, não escondi de ninguém. Mas usei de toda a minha capacidade de argumentação e, especialmente naquele dia estava inspirado. Fui quase melodramático.

– E?

– E nada, mas acho que conquistei sua simpatia e consegui pelo menos a promessa de que iria estudar o assunto.

– É, vamos torcer.

– Quando puderes, passa lá pela clínica para traçarmos uma estratégia de cartas, telex, presente, o que for e, de mais a mais, deves ter também teus contatos, no Brasil e quem sabe, até na Ilha.

Essa última parte falou rindo, para fazer blague. Ou, não. Se o foi, não colou. Não os tinha. Nem aqui, nem lá.

***

Cheguei à casa do Bellesi antes das oito. Era relativamente perto de casa. Menos de dez quilômetros. Um conjunto habitacional bucólico, estilo colonial americano, gramado, alamedas arborizadas, sem muros, de chalés de madeira, portas e janelas teladas, simples, mas bonitinhos. Havia sido, de fato, de uma missão evangélica americana. Instituto Linguístico ou coisa parecida. Uma área enorme até com campo de aviação. Nunca soube bem para que servia. Ele, antes mesmo de eu bater, veio me receber à porta e já me convidando para a mesa do café. Os homens já haviam acordado e lá já estavam.

Depois das apresentações e dos salamaleques de praxe, um dedo de prosa e lá fomos para o escritório da CLIMEP. O assunto era o tal SUMA. Não sei ou me lembro como se desenrolou a negociação, até porque, logo senti, que eu, leigo, estava sobrando.

O que restou do causo, pelo menos do meu lado, foram dias de muito papo com dois cubanos extremamente simpáticos, o médico René e o engenheiro de medicina (não sei o que é isso) Félix. Conversamos sobre o Brasil e Cuba, papo regado a, pelo menos, cinco grades de Cerpinha por dia e, para desespero do Bellesi, fumando enormes e deliciosos charutos, cubanos, naturalmente.

Em meio a um mundo de perguntas e respostas e divagações ideológicas, a estas alturas já nos tratando por camaradas, meu interesse, em um dado momento, foi a questão do avanço da medicina e, principalmente de como essa conquista se transformou em saúde pública, com índices impressionantes, internacionalmente reconhecidos. E, de mais a mais, Cuba é um país pobre e essas coisas são onerosas, e não se resolvem da noite para o dia. É preciso pelo menos uma geração para se conscientizar o povo e montar a infraestrutura básica para que aconteça. O caso do índice de mortalidade infantil é emblemático. Quando toquei neste assunto, o semblante do René se modificou. Do bonachão campeão da Cerpinha e do charuto, de repente ficou sério. Não sisudo, mas sério, sóbrio, até meio sonhador.

– Nada é fácil em educação e saúde pública. É preciso mobilizar o povo e comprometimento e determinação dos governantes. Não movimentos, campanhas sazonais, pontuais, mas política de Estado. Comprometimento e determinação revolucionária. Senti de perto alguns exemplos. Quando me formei fui fazer especialização na França e na Tcheco-Eslováquia. Quando voltei, a mobilização, que começara muito antes, estava no auge. Especialmente no tocante à saúde preventiva e mortalidade infantil. Fui designado para um hospital do interior, na “Sierra”, eu bem que queria ficar próximo à praia, mas não deu. Acabei me acostumando e casando lá mesmo com uma nativa.

– Pois bem, na frente de todo hospital do país havia uma enorme placa de cento e cinquenta metros quadrados, onde se registravam, em letras e números enormes há quantos dias não morria uma criança ali. No meu hospital não foi diferente. As populações das vilas vizinhas visitavam orgulhos, mais à placa do que o hospital. Um belo dia, era inexorável que um dia “teria” que acontecer, morreu uma criança! O colega plantonista, intensivista neonatal chegara atrasado sem uma justificativa plausível. Se ele estivesse lá, provavelmente a criança, mesmo assim teria morrido. Não houve falta de assistência, pois o corpo de enfermagem era muito competente e de mais a mais, havia outros médicos.

– Foi uma comoção na região. Houve até romaria para assistir ao apagamento da placa e aposição do número zero. Teve quem chorasse. Quanto ao colega, embora achássemos que ele deu azar, o regulamento dizia que fora negligente. Voltaria a ser médico, do mesmo hospital, depois de dois anos cortando cana. Já passado o primeiro choque, a vida tinha que voltar à rotina. No dia seguinte, acordei cedo e cheguei ao hospital perto das seis da manhã, já estava chegando à portaria quando ouvi um barulho. Virei-me e vi, no imenso gramado que havia na frente, pousar um helicóptero militar. Dele, o primeiro a saltar foi “El Comandante”!

– Quem, Fidel? Perguntei.

– Ele mesmo. Viera pessoalmente inteirar-se do ocorrido.

O médico cubano com um silêncio ensurdecedor interrompeu o relato.

Ninguém falou, comentou, ou mesmo mudou de assunto.

Naquele momento lembrei-me do Pedro da Natalina no armazém do seu Otávio Neri:

– Mas assim, até eu faço mel…

P.S. Ah! O SUMA não veio.

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O ÍNDIO É INDOLENTE

ENSAIO SOBRE A “NOBREZA” DO TRABALHO

André Costa Nunes
tipoassimfolhetim…

Aldeia no Xingu

Aldeia no Xingu

O ÍNDIO É INDOLENTE

Está provado. Todo mundo sabe que o índio brasileiro é indolente.

Tem mais alguns adjetivos que parecem redundância, mas são bem pertinentes e enriquecem a tese.

 O índio é vadio, preguiçoso, não gosta de trabalhar, aliás, o negro também é chegado ao ócio. E o branco, o amarelo, até o azul.

Eu também!

Quem simplesmente gosta de trabalhar é doente. A não ser que haja caído na velha falácia de Confúcio: escolha um trabalho que lhe dê prazer e nunca terá que trabalhar por toda a vida. Isto é conversa para filósofo rico. Pobre e vassalo não têm escolha.

 Compreende-se que um professor, um jornalista, um médico, um artista, trabalhador intelectual – evidentemente, até por definição, elites da sociedade humana – sintam, eventualmente, algum prazer e muita realização no “trabalho”, mas isso nunca ocorrerá com o operário. É muito difícil sentir prazer em quebrar pedra, carregar tijolo, dirigir um ônibus no trânsito de Belém, capinar um roçado de mandioca em baixo de um sol escaldante, carregar e descarregar mercadoria nos armazéns e cais da vida. Empregada doméstica que dorme no emprego, então…

 Isso, sem falar em trabalho escravo. Institucional, ou, não. Até ontem, o escravagismo era praticado em todas as nações do mundo. E era legal, ético e moral. Inclusive o tronco e a chibata.

De repente, como um axioma, determinou-se, não sei quando, nem quem, “que o trabalho enobrece e dignifica o homem”. Com certeza deve ter sido formulado pela classe patronal e por sua aliada natural, a religião. Qualquer uma.

Foi assim como uma lavagem cerebral histórica que permeou corações e mentes de toda a humanidade desde o começo dos tempos. Dogma.

Durante muitos anos lutei contra esse desígnio de uma força quase superior a mim.

Escondi ao máximo de todo mundo. E acho que o fiz tão bem que terminei convencendo as pessoas que eu era bom de trabalho e mesmo até gostava.

O pior é que o embuste me convenceu. Virei um viciado em trabalho. Um tal de “work-a-holic”. Fui além daquela história da mulher de Cezar às avessas: primeiro aparentar depois ser. Dizem que os paulistanos são craques nisso.

Demorou a cair a ficha. Foi quando resolvi contestar essa história de que o índio é preguiçoso.

Trabalhei como um mouro (!) por mais de cinqüenta anos. Poucas vezes tirei férias. E, nesses raros momentos de gozo, quando não estava porre, sentia-me como um estudante adolescente a gazetear aula. Culpado de alguma coisa.

Aos setenta e três continuo trabalhando, agora, como sempre, por necessidade de sobrevivência. A grande diferença é que não tenho mais que provar nada a ninguém.

Dane-se!

Darwin que me perdoe, mas a teoria criacionista é perfeita para corroborar minha tese.

Deus quando fez o Mundo – vamos pular aquela baboseira do Gênesis, do caos, seis dias de criação e no sétimo descansou etc. – começou logo com o Éden. Paraíso perfeito. Com tudo que era de bom, belo e do bem – com exceção da cobra, é claro, mas disso, fala-se mais tarde.

 Pois bem, esse Paraíso, depois de muito matutar, cheguei à conclusão de que só poderia ser a Amazônia. Pensem bem, onde mais neste mundo um casal de humanos, jovens, perfeitos, lindos, até por falta de paradigma, poderia sobreviver nu, ainda sem fogo ou vestes para se aquecer, nem mesmo aquela folha de parreira para esconder as vergonhas, e que nem eram vergonhas? Tudo era harmônico. Temperatura média de vinte dois a vinte quatro graus (antes do aquecimento global), sem neve, deserto ou montanhas geladas, ou avalanches, tsunamis, terremotos, vulcões? Onde a primavera, atropelando o verão e o inverno, se funde com o outono e tem flor, fruta, folha e raiz o ano inteiro? Rio, cachoeira, sombra, caça e peixe, então, nem se fala.

É, meu senhor, Deus foi sábio. Não se sabe se Ele fez este paraíso para acolher o homem, a obra prima da criação, ou se fez a Amazônia, bela pela própria natureza, com um fim em si mesmo. Depois, pode ter achado um desperdício não haver quem desfrutasse desse éden que, afora paraíso, não tem sinônimo. O é por definição. E não deixou por menos, os fez à sua imagem e semelhança.  O que prova que Deus é Adão e é Eva. Homem e mulher. Simples, assim.

O Éden, não dá para não ser aqui. Ainda não havia o Velho Mundo, claro, civilizado, a nos infectar com sífilis, tuberculose, lepra, tifo, malária, gripe, gonorreia  cancro mole, cancro duro, cavalo de crista, HPV, leishmaniose, febre amarela, depré, stress, tifo, cólera, micose e, diz-que, até piolho.

Penicilina não fazia falta.

Pasárgada é pinto. Pense em um lugar com Algodoal, Atalaia, Joanes, Alter do Chão, o Xingu de cabo a rabo, antes da barragem, Tocantins, Tapajós, antes da barragem, também, Curuá, Trombetas, Mamirauá, Anavilhanas e um mundo de igarapés, inclusive o Uriboca. Tudo isso sem aquelas pragas estrangeiras. Nesse ponto acho até que o tal de Erich Von Daniken tem razão. Isso veio de outro mundo, não foi feito pelo Homem.

Não sei como, nem porque, os dois foram expulsos da Amazônia. Para onde, não se sabe, mas eles devem ter aprontado feio. Essa história da cobra e da maçã, não convence, até porque por aqui não vinga macieira. Se fosse pelo menos, abricó, cupu, bacuri ou pupunha, eu até me calava, ah! Pupunha não pode, pois tem espinho até na palha.

  Pelo menos as nossas e não dessas umas importadas da América Central criminosamente pelos projetos Sudam para produzir palmito. Secas, intragáveis e que já cruzaram com as nativas.

Mas vamos ao causo, já que a história da cobra e da maçã está descartada. Outra versão é a dos pervertidos de que foi porque o Adão conheceu (no sentido bíblico) à Eva. Essa não se sustenta por todos os motivos do mundo. Afinal quando o Homem os fez, fez um casal. Um macho e uma fêmea. Ele, literalmente, um deus, ela, a mulher mais bonita do mundo, única, e disse, crescei e multiplicai-vos. Pronto. Neste momento, sem a proveta, a fornicação estava liberada.

Não, o motivo tem que ser outro. Nem atino qual seja. O que se sabe, ao certo, é que eles foram expulsos da Amazônia, isto é, do Éden (depois seus descendentes voltariam como penetras).

E foi o próprio Todo Poderoso quem os expulsou. Nem mandou um anjo ou arcanjo, como sempre foi seu costume e, pessoalmente lhes impôs o pior castigo que podia conceber:

Ganharás o pão com o suor do teu rosto!

Pronto. Agora entramos no cerne da questão. O que se leu até agora, com mil perdões, foi, como se dizia antigamente, nariz-de-cera.

O busílis está nesta frase simples e direta. Quase nada. Apenas um carão.

   Estava inventado, por Decreto Divino, o trabalho. A pior das penas que podia imaginar o Omnisciente. Revoguem-se as disposições em contrário.

Ganharás o pão com o suor do teu rosto!

 Com este eufemismo, como também é Seu costume de dizer as coisas, Deus criou o trabalho. E o fez de maneira terrível. Ninguém tem dúvida de que foi uma maldição, uma praga. A primeira de que se tem notícia.

E todo mundo sabe que praga de mãe pega.

 E foi praga de mãe, pois já se viu que Ele é homem e é mulher, logo, Ele é pai e Ele é mãe.

 O Homem devia estar tão decepcionado com os filhos, que, irado, por uns tempos, os deixou a própria sorte.

E aí, foi-se formando, naturalmente, a descendência.

Consta que, no princípio, a relação de produção, à moda dos índios do Xingu, de antigamente, claro, era rigorosamente comunitária. Primitivamente comunista. Ninguém produzia, caçava ou pescava para si, mas para toda a aldeia. Mas como devaneia Paul Nikitin, isto durou enquanto as pessoas perambulavam vivendo da coleta, da caça e da pesca, exatamente como os índios brasileiros, até há bem pouco tempo.

Quando houve a evolução, diz-que, civilizatória, e eles se fixaram ao solo, mercê da agricultura, a coisa começou a se complicar. Ao contrário da castanha-do-pará, do bacuri, do cupu, do açaí, dos peixes e da caça, a agricultura é imprevisível. Depende de muitos fatores condicionantes. Principalmente, por estas bandas, da chuva e da estiagem. Assim, se em um ano a colheita foi fraca, a tendência normal é plantar uma área maior no ano seguinte.

Aí, criou-se um excedente de produção, um tal de “plus produit”, que ouvi faz muito tempo nas aulas de marxismo em um barracão no quintal da casa do pai do Bira e do Alfredo Oliveira. Na clandestinidade.

 Quando alguém se apropriou desse excedente, que não fazia falta ao resto da comunidade, este alguém, ou grupo passou a ter poder de barganha, ou de troca com os excedentes de outros tipos de produtos de comunidades próximas.

Isso pode haver acontecido naturalmente, por gravidade, por esperteza ou, mais provavelmente, pela força.

 Estava criada a primeira casta! Alguém que tinha mais do que os outros livrou-se da maldição de ter que trabalhar. Podia comprar a força de trabalho de outrem com o produto que entesourara e não produzira.

 Daí para cacique, tuxaua, soba, régulo, faraó, rei, imperador e dignitários de toda ordem, foi um pulo. Naqueles tempos esses pulos duravam milhares de anos, mas não deixa de ser um pulo.

A outra casta, sem a força, apelou para a astúcia. Disse-se portadora da palavra de Deus e aliou-se àquela uma, a da força. Evoluíram irmanados, mantendo sempre a variação sobre o mesmo tema, de pajés, feiticeiros e xamãs, para sacerdotes, monges, lamas, padres, pastores, bispos, papas e quejandos.

O Homem até que tentou dar mais uma chance a seus rebentos. Experimentou colocar um monte de gente por quarenta anos no deserto, sem precisar trabalhar. Bastava desejar e a comida caia do céu em forma de maná.

Tentou também botar ordem na casa fazendo uma lei com dez artigos, que tirante um que outro, caberia, até hoje na constituição de qualquer nação. Talvez houvesse muito mais artigos nas tais Tábuas da Lei, e aquele tempo todo que Moisés passou no Monte Sinai teria sido negociando politicamente o consenso possível. Mas entre discussões, lobbies e vetos, o pouco que trouxe, até hoje, está de bom tamanho.

     O certo é que parece que não conseguiu revogar aquele decreto de ter que trabalhar para viver.

Ganharás o pão com o suor do teu rosto!

Mas, ao que tudo indica, Moisés conseguiu já pelo cansaço, que Deus delegasse a alguns “homens de boa vontade” que fizessem a regulamentação da Lei Primeira. Aquela uma que diz: vai trabalhar vagabundo! Ou, mais consuetudinariamente com o linguajar bíblico, ganharás o pão com o suor do teu rosto!, que ficou com a seguinte redação:

 Ganharás o pão com o suor do teu rosto vírgula a não ser que sejas patrão!

Dizem que, quando esta lei foi promulgada at urbi et orbi, logo se propôs para quem a infringisse, que a pena seria arder nas chamas do inferno, sem prejuízo das sanções terrenas que, como se vê, até hoje, são terríveis.

 Não está bem explicado como, para aquelas bandas, em que momento se processou a dicotomia entre quem ia mandar trabalhar e quem de fato trabalharia para, segundo o Decreto Divino modificado pela Lei Complementar Mosaica, ganhar o suado pão. Para os dois. Patrão e empregado. Rei e vassalo. Os tais dignitários de toda ordem e os servos. Enfim, o arremedo de Estado e sua hierarquia. O chamado Poder Temporal.

Aí entrou a astúcia ou a grande sabedoria daquela outra turma de iluminados, decodificadores dos desígnios de Deus que sabiamente descobriu a hereditariedade. Quem descendesse em linha direta de Adão, assumia o Cetro, ou a Vara Real. Afinal, ele tinha sido o primeiro e único dono do Mundo. O primeiro rei, e era natural que sua descendência herdasse o trono. E tudo era facilitado pela Lei da Primogenitura, isto é, somente o filho mais velho tinha direito à herança. Por pressuposto, a mulher não contava.

Desta maneira, o rei e seu séquito eram os donos do Estado. Território e suas gentes.

Girando rápido o relógio da história, por absoluta necessidade administrativa, esses cortesãos receberam delegação real e divina para gerir os negócios do Estado em cantões específicos. Principalmente arrecadação de tributos e defesa. Não era bem uma descentralização do Poder que era absolutista, mas ao fim e ao cabo, já a definição clara de quem devia trabalhar para quem. Quem ia ganhar apenas a metade do pão conseguida com o suor do próprio rosto, como decretado no início de todas as coisas.

Quem era patrão e quem era empregado.

 Essa evolução maniqueísta permeou todos os povos e nações do mundo à exceção, diz-que, dos esquimós, de algumas ilhas da Polinésia e do Caribe e todos os índios do Brasil até o século XVI com a chegada do colonizador Europeu.

Até então o índio brasileiro, não tinha a mais rudimentar noção de Estado.

Não eram puros nem santos. Talvez ingênuos. Eram naturalmente antropófagos, porque não tinham nem um motivo para dispensar uma boa e fresca proteína animal. Faziam escravos os prisioneiros de guerra. Também nem imagino como essa escravidão se processava nem para que. De repente era pura sacanagem dos costumes de, sem maldade, subjugar os mais fracos, como sempre fizeram com as mulheres. Até hoje todo o trabalho pesado da aldeia é obrigação das cunhãs.

Sabemos que é um costume natural, atávico. Nada a ver com o instinto animal de atacar o mais fraco para sobreviver. No caso, de maneira magnânima, respeitamos e dizemos apenas que é cultural. Eu acho que é escroto.

O índio tem carradas de atenuantes a seu favor, inclusive o desconhecimento, quando havia, de outra norma, outros costumes, até porque sua inserção, ou mesmo conhecimento do mundo dito civilizado, não foi evolutivo, natural, conquistado, mas deu-se aos saltos e sempre no intuito de sua espoliação. O que também era natural, ético, moral e legal. E, mutatis mutandi, quanto às mulheres, o comportamento dito civilizado, não era tão diferente assim. Minha mãe há muito já era adulta quando lhe concederam o direito de votar. Isso, sem falar que metade da população do planeta, também por motivos diz-que culturais e religiosos, impõe à mulher condição até mais infamante. Estes por se dizerem civilizados são bem mais escrotos, não merecem o entendimento de magnanimidade. O índio ao se confrontar com outros comportamentos que não aqueles, não tem a mínima dificuldade em mudar seus hábitos, sem sequer arranhar sua identidade. Eles não possuem a praga do fanatismo religioso. Pelo menos os ainda não evangelizados.

Mas vamos voltar à história do prazer de trabalhar e ganhar o pão com o suor do próprio rosto.

Esqueçamos  por um momento essa coisa de exploração do   homem pelo homem, mais valia, e “otras cositas más”.

Não vivemos no mundo que queremos, mas o que nos foi legado e formatado ao longo da história por elites que o queriam exatamente assim.

É injusto, mas é o único que temos. O outro mundo, o justo, existe e foi inventado com magistral proficiência pelos decodificadores dos desígnios de Deus exatamente para coonestar o poder daquela outra casta de que falamos no início. É metafísico, transcendental, acessível a todos os homens e mulheres independentemente de sua condição social ou posição na cadeia produtiva. Reis e servos de boa vontade e que tenham fé. É preciso sofrer neste para usufruir daquele.

Aquele um é tão perfeito e conveniente que não interfere ou mesmo se toca com o mundo terreno em que vivem os mortais. Não muda o modus vivendi et operandi das herdades e de sua relação de produção. Como se disse, é apenas conveniente.

Esta é, pois, a ordem natural das coisas. Qualquer tentativa de mudança, por menor que seja, há que ser execrada por subversão à ordem constituída baseada na Verdade Revelada.

Mas o homem, dotado de inteligência e habilidades que o diferenciam dos demais animais tem como destino inexorável a evolução, pela própria dinâmica dialética da história.

Aí, sem o Paraíso e sem maná do céu, há que suprir-se de alimentos e outros bens materiais que se lhe amenizem o viver. Isto é, tem que trabalhar. Ou seja:

Ganhar o pão com o suor do próprio rosto!

 Isto, até que de todo não é mau, não que seja prazeroso principalmente depois do aditamento patronal, mas pela realização pessoal. E isso só se consegue quando se trabalha para si mesmo ou para todos.

 Mercê do trabalho, a humanidade, desde os tempos imemoriais, produziu obras maravilhosas. Quase nenhuma de alguma valia para a massa ignara que as construiu. No Egito, no México, no Peru, na Ilha de Páscoa, na Europa, na China e por aí vai. A relação é interminável, passando por jardins suspensos, palácios, templos de todo tipo e para todos os gostos. Da ermida da aldeia ao Vaticano, passando pela mesquita de Meca, Notre Dame e abadia de Westminster. Cada um pode imaginar exemplos mil. De ontem e de hoje. De longe e da vizinhança. Porém, sem me alongar, quero registrar o exemplo do Taj Mahal que dispensa descrições. Índia. Vinte anos de construção. Vinte mil operários. Milhões de indianos morrendo à míngua. E tudo que os povos nos últimos quinhentos anos registram, orgulho da humanidade é o nome do imperador Shah Jahan que o mandou construir em homenagem a sua esposa “favorita” Aryumani Manu Begam.

Milhões de indianos terão morrido em holocausto a essa paixão. Por isso, em sua próxima viagem de turismo a Índia, não deixe de visitar o Taj Mahal. E suspirar enlevado:

O amor é lindo!

 Mas voltemos à expressão inicial: o índio brasileiro não gosta de trabalhar. Nem o branco, nem o preto e, repito, nem eu!

Mas o mundo há muito deixou de ser o Paraíso Terreal como vimos. Ele existe e é desse jeito. A humanidade, mesmo à revelia dos donos do mundo, principalmente das peias obscurantistas das religiões, conseguiu avanços significativos. Por isso, não sendo patrão ou herdeiro, há que trabalhar, para usufruir minimamente que seja do butim gerado pelo próprio trabalho.

Vimos também que há um outro mundo, virtual, mundiador de corações e mentes que só se consegue com muita renúncia, obediência, sofrimento e… Morrendo!

Outra opção, latente desde os primórdios filosóficos do entendimento de “ser”, é o homem livre para trabalhar para si e para os outros.

Apenas para ser feliz. Socialista!

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INTIFADA!

Não posso deixar de lembrar como tudo começou.

Era um guerreiro enorme, um verdadeiro gigante. Aquela coisa ciclópica dos tempos imemoriais que hoje só podemos imaginar e fazer ilações.

Era um guerreiro enorme, um verdadeiro gigante. E armado até os dentes com o que havia de mais moderno na época. Capa, escudo, armadura, aço!

É o que dizem e, se meus amigos crêem, eu não tenho porque duvidar.

Este gigante e guerreiro chefiava um exército poderoso. Também treinado e armado até os dentes.

O gigante guerreiro, perdoem a repetição ad perpetuam rei memoriam, e seu exército, apenas pretendiam expandir seus domínios. Para isso carecia exterminar o povo que lá vivia ou, no mínimo, torná-lo servo.

Armou-se o teatro de operações. O campo de batalha. Com o gigante guerreiro à frente, armas e tecnologia, aço, a guerra.

Do outro lado, um povo ordeiro, de pastores, tinha lá também seus soldados. Poucos, mas valorosos. Não era um exército regular. Eram apenas homens do campo, do trigo, da vinha, do pastoreio, por vezes chamados às pressas para defender seus lares, suas crenças e valores.

A luta, como se disse, era desigual, ainda mais com o rei moribundo, e o inimigo tendo à proa o gigante guerreiro.

Frente ao inimigo, no campo de honra, apresentou-se o mais franzino dos pastores. Um menino. Sem armas, apenas com uma funda, espécie de baladeira. Estilingue. Usado para espantar os lobos que rondassem os borregos.

Pois bem, sob o olhar de espanto de seus compatriotas e de escárnio dos inimigos, principalmente do poderoso gigante guerreiro tirou a funda da cinta tosca de couro cru, apanhou uma pedra e lançou-a com a força, a dignidade e a indignação dos justos, contra o Poderoso Gigante Guerreiro Invasor.

Esta foi a primeira intifada que a humanidade tem notícia.

Andre Costa Nunes

Tipo Assim Folhetim…

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CÍRIO CABANO

Um feliz Círio para todos os amigos. Os daqui e os de longe.
Em 2007, a Veja Belém publicou esse artigo que vai anexado. Originariamente, dei-lhe o título de CÍRIO CABANO.
Um abraço bem paraense.
Artigo_-_Cirio_-_Veja

“Paraense, sou ateu. Filosoficamente, materialista. Mas, acima de tudo, sou devoto de Nossa Senhora de Nazaré. Este último atributo, no mês de outubro, transcende os demais. É inerente ao ser paraense. Durante algum tempo, no auge do obscurantismo ideológico da juventude, ainda tentei renegar minha devoção, porém, romântico inveterado, há muito deixei de remar contra a maré. Mergulhei de cabeça no parensismo: açaí, tacacá, Ver-o-peso, marés, rios e ilhas, canoas e torço nu. E isso tudo, à imagem do próprio rio amazonas, como em um caudal, deságua em Belém no segundo domingo de outubro.

A colossal procissão do Círio, com seu milhões de romeiros, começa na Catedral da Sé e termina cinco ou seis quilômetros depois na Basílica de Nazaré. Mas um olhar atento vai além, vê que aromaria começa em cada furo, rio, igarapé, ilha ou beiradão. Canoas, ubás, caxiris, barcos a motor, velas ou remo. Começa nas palafitas e nos barrancos. Nos quintais das cidades, no porco cevado, no patarrão, no ralar da mandioca, no tipiti e no moer da folha de maniva, matéria-prima para o almoço do Círio – maniçoba e pato no tucupi. Farto e generoso. Para a família, os amigos e quem mais chegar.

O Círio começa no vestido de chita com babados, decote comportado e comprimento abaixo dos joelhos. Calça e camisa de manga comprida, novas, as únicas mudas de roupas compradas no ano, mas estreadas no Dia da Festa. Sapatos, sandálias, baixas ou de salto.

Tênis? Nenhum. Para acompanhar o Círio de Nazaré se vai descalço. Naturalmente. Começa com banho-de-cheiro. Vinde-cá, priprioca, patichouli, orisa, pau-cheiroso, chama, pau-rosa, catinga-de-mulata. E se vem de todos os cantos do Estado do Pará que, em outubro, se transmuda para além das fronteiras geopolíticas. Invade o Maranhão, o Amazonas, o Amapá. É como se fosse o Estado de Nossa Senhora de Nazaré. Esse é o núcleo central tangido pelas águas, senhora de todos os destinos. Essa é a procissão cabana de antes da estrada, do asfalto, do ônibus, do avião, do arranha-céu, do apartamento, do estacionamento proibido. Esta nova tribo do fast food também é bem-vinda. Por adesão, é claro. No Manto da Virgem e no coração cabano há sempre espaço de sobra. Apenas há que aderir ao espírito secular do Círio. Ficar mundiado pelo bom e pelo bem. Sentir-se igual. Caminhar descalço.

É por tudo isso, pelo peso dessa enorme bagagem da cultura paraense, que todos os anos, quando passa a Berlinda da Santa, este velho comunista se emociona e chora.”

André Costa Nunes, 67 anos (agora beirando os 70), escritor.

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A MÁFIA DO LIXO

A MÁFIA DO LIXO
André Costa Nunes

O maior e melhor negócio do mundo neste começo de milênio é sem dúvida o destino do lixo do planeta. E, sem trocadilho infame, o mais sujo também.

A empresa REVITA Engenharia Ambiental, do Grupo SOLVI, a Queiroz Galvão e mais umas poucas saíram na frente para explorar esse filão no Brasil. Como não podia deixar de ser, aportaram em Belém com toda a voracidade que a “atividade” requer.

A REVITA, inicialmente associada à Clean, entrou com um pedido de licença ambiental na Secretaria Estadual de Meio Ambiente que, como Pôncio Pilatos, sem um parecer sequer, convocou meia dúzia de audiências públicas nos municípios da Área Metropolitana de Belém. A todas elas compareceu o Ministério Público Estadual que, com um corpo técnico brilhante, didaticamente se posicionou veementemente contra a empreitada na área escolhida. Vale salientar que na primeira Audiência Pública a proposta foi rejeitada pelo povo por unanimidade. Outra Audiência Pública foi convocada pela Câmara Municipal de Marituba recebendo também rejeição unânime. Na ocasião, foi eleita uma comissão encarregada de redigir a ata da reunião e dar ciência à imprensa e a todos os órgãos municipais, estaduais e federais, o que foi feito, vide: LIXÃO DE MARITUBA.

Dentre muitas inconformidades e ilegalidades, o MPE ressaltou que na área, o tratamento do chorume estava em cima do rio Uriboquinha que nasce no Terra do Meio e, junto com o Uriboca são os únicos rios ainda não poluídos de todas as áreas metropolitanas do Brasil, e colado à Reserva de Preservação da Vida Silvestre, antiga Fazenda Pirelli; os dois desembocam a poucos metros da estação de captação de águas da Cosanpa-Companhia de Saneamento do Estado do Pará; que segundo as sondagens realizadas pela própria empresa, o lençol freático, em alguns pontos, atinge apenas 10 centímetros de profundidade; o terreno está minado de nascentes e córregos que fazem parte da bacia do Uriboca; que a mata vizinha, colada, mesmo, é em grande parte alagadiça na maré alta, formando um sistema único de fauna e flora ainda preservado; que legalmente nenhum aterro sanitário pode distar menos de 20 quilômetros de um aeroporto que opere por instrumentos (o Aeroporto Internacional de Belém fica apenas a 14 quilômetros, exatamente no eixo de aproximação para o pouso ou decolagem); que em um raio de 5 quilômetros não pode haver aglomerado urbano, por conseguinte, vilas, condomínios, igrejas, creches, escolas, universidades, hospitais etc. isso significaria sacrificar quase a metade do município de Marituba, o menor do Pará, em favor do lucro de uma empresa particular, no caso a REVITA. Vale a pena lembrar que essa empresa é useira e vezeira em financiamentos de campanhas políticas.

Pois bem, há meses que não se fala no assunto. Apesar de toda a celeuma, das audiências públicas, das manifestações do Ministério Publico, da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil, o processo permanece na SEMA sem um único parecer, como a dormitar esperando o momento azado.

Só para registrar a competência da empresa pretendente, lá pela terceira ou quarta audiência, ela apresentou, segundo a promotora do meio ambiente do MPE, uma declaração do Comando da Aeronáutica liberando a distância mínima do Aeroporto exigida por lei e cobrada pelo MPE (sem que a autoridade militar apresentasse as bases técnicas em que se baseou para tal liberalidade ao arrepio da segurança de vôo), bem como o plano de recuperação da área degradada adquirida, uma cratera semelhante a uma pequena Serra Pelada, de onde saiam mais de 500 caminhões de aterro por dia, de repente surgiu como se fosse adrede destinada exatamente a um aterro sanitário. Estranho, muito estranho. Já se disse que os homens são competentes.

Mesmo se tal empreitada for feita obedecendo todos os cânones da mais perfeita técnica da engenharia ambiental, a área, depois de esgotada a capacidade do “aterro sanitário”, por lei, é considerada imprópria para habitação humana por tempo indeterminado. Talvez séculos. Sempre será uma bomba relógio ou de efeito retardado. No máximo presta-se para reflorestamento para lenha de siderurgia. Nunca para plantas destinadas ao consumo humano ou animal. Inclusive pasto, como se verá mais adiante, no caso da Itália.

Agora, leio em quase todos os blogs de Belém (felizmente eles existem), que há um projeto semelhante para o famigerado Lixão do Aurá encravado na cidade de Ananinideua vizinha a Marituba a apenas 4 ou 5 quilômetros do outro projeto. Já até licitado ao arrepio de todas as condenações técnicas, inclusive da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil e do CREA – Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura. Deixo de citar os mandados judiciais, pois desta vez não foi de iniciativa do Ministério Público (o que no mínimo lamento), e sim da REVITA, que, interessada, aborda a forma, portanto, sanável e, não o conteúdo. Discute-se o adjetivo e não o substantivo.

O tal aterro sanitário de Marituba, mesmo absurdo, como se disse, está orçado em 15 milhões de reais. Uma ninharia para a pantagruélica garganta da prefeitura de Belém, que imediatamente contrapôs com um projeto de 850 milhões em cima do velho e criminoso “lixão do Aurá”. Isto tudo em surdina, sem o povo saber, como na música do Chico: “Dormia, a nossa Pátria Mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída, em tenebrosas transações…”.

De qualquer maneira há soluções mais palatáveis. Belém, neste caso é privilegiada, pois possui no seu entorno, isto é em um raio de 50 a 70 quilômetros, áreas de fazendas degradadas, de cinco a seis mil hectares que podem enquadrar-se nas exigências legais, reflorestáveis e com diminuto impacto ambiental. Isso, depois de consultada a intelligentsia nacional sobre as diversas facetas que a atividade pode apresentar. Para o momento e para o futuro.

O problema é de tal magnitude que não se justifica o alheamento de órgãos como a Assembléia Legislativa do Estado, IBAMA, Governo do Estado, Embrapa, Congresso Nacional e, porque não, do Ministério Público Federal, até pela provável implicação com o tráfego internacional do lixo.

De qualquer maneira, não necessita ser como querem os empresários do ramo, a toque de caixa, e no polígono da grande Belém envolvendo mais de 2 milhões de habitantes e que não possui nenhuma área que comporte as exigências legais. E isso foi cientificamente demonstrado em um trabalho conjunto da Academia Universitária do Pará apresentado em um seminário na Universidade Federal de Pernambuco:

III Simpósio Brasileiro de Ciências Geodésicas e Tecnologias da Geoinformação Recife – PE, 27-30 de Julho de 2010 p. 001-004 – A UTILIZAÇÃO DO SIG COMO FERRAMENTA PARA INDICAÇÃO DE ÁREAS POSSÍVEIS A IMPLANTAÇÃO DE ATERRO SANITÁRIO NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELÉM-PA – composta pelos seguintes professores, mestres e doutores: 1-IRANILDA SILVA MORAES; 2-HUGO DE SOUZA FERREIRA; 3-SORAIA DE FÁTIMA DA CRUZ OLIVEIRA: 1-Instituto de Estudos Superiores da Amazônia – IESAM; Curso de Pós-Graduação em Geotecnologias, Belém- PA; 2-Faculdade Ideal- FACI; Curso de Tecnologia em Gestão Ambiental- Belém-PA;
3-Pilares Topografia e Projetos Ltda- PTPL; Bacharel em Geografia, Belém- PA; {ira_geo4, hugo_meioambiente, sqraia}@yahoo.com.br; http://www.ufpe.br/cgtg/SIMGEOIII/IIISIMGEO_CD/artigos/CartografiaeSIG/SIG/R_215.pdf

Por fim, abordaremos, rapidamente, onde entra na história.

A MÁFIA DO LIXO.

Como deu para perceber a questão do lixo é planetária, e não é de hoje, e movimenta, sem exageros, trilhões de dólares por ano. A dedução é fácil. São mais de sete bilhões de pessoas a produzir mais de sete bilhões de quilos de lixo por dia. A chamada Grande Belém produz duas mil toneladas por dia.

O lixo é, de qualquer maneira, um subproduto da atividade humana, residencial e industrial, que ninguém quer ver por perto, muito menos conviver. Não dá para varrer pra baixo do tapete. Há que haver uma solução e aí mora o busílis. O xis da questão.

Historicamente sempre foi uma atividade secundária para o Poder Público. Como ainda hoje no Brasil é de responsabilidade exclusiva das prefeituras municipais. Quer São Paulo, Curitiba ou Bujaru e Cametá. Basta um terreno baldio, ermo, de preferência afastado do centro urbano e o problema está resolvido. Mesmo que a cidade cresça naquela direção, serão, pelo menos por um bom tempo, barracos de excluídos. A maioria a tirar seu sustento exatamente dali. Disputando com cachorros vadios, ratos e urubus. No caso específico de Belém, o lixo, em grande parte, teve uma função mais “nobre”: aterrou muitas ruas das favelas localizadas nas baixadas antes de se concentrar no Aurá. Vide AS BAIXADAS DE BELÉM, aqui mesmo neste blog.

Pois bem, na maioria esmagadora dos municípios brasileiros, a realidade ainda é a mesma. No Estado do Pará, seguramente, a totalidade.

Mais acima se falou que Belém era privilegiada (assim como toda cidade da Amazônia) por dispor de vastas áreas desflorestadas ou não, já que as instalações em si ocupam área relativamente pequena, e no restante seria até bom que houvesse bosque a servir de barreira de proteção e filtragem ao miasma que certamente se formará, das gentes circunvizinhas. Mas também é privilegiada por ter a oportunidade de barrar para estudar e corrigir, no início, a história de um crime anunciado.

Este projeto, ou projetos, – não obstante ser altamente lucrativo o monopólio do lixo da Grande Belém-, trazem no seu bojo, de maneira oculta, qual um gigantesco Cavalo de Tróia, um perigo ainda maior. Muito maior. Verdadeiro negócio da China. Ao pé da letra: A importação de lixo de outros países!

E é negócio lícito. Sujo, mas lícito. A legislação brasileira permite a importação de lixo do exterior. E já vem acontecendo amiúde principalmente no Sul do País, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, inclusive, e principalmente, com contêineres de lixo tóxico.

É aí que entra a história da máfia. A Italiana. Ou as máfias, ou, ainda, a Ecomáfia.

Travestidas de empresas regulares, com organograma, administração profissional e tudo, açambarcaram o negócio do lixo em várias cidades da Itália. Uma das empresas holding, chama-se Ecoverde, conforme a matéria jornalística publicada na Revista Superinteressante de Fevereiro de 2009: MÁFIA, quer singeleza maior?

Com projetos técnicos e rigor europeu devem ter construído aterros sanitários modelares fiscalizados pelas autoridades italianas e, talvez, até pelo Ministério Público de lá. Os contratos eram os tais público-privados, ou, no popular, terceirizados.

Isso, em pouco mais de dez anos produziu o maior escândalo/catástrofe que a Itália já viu desde a Segunda Guerra. O lixo industrial tóxico, local e importado de vários países da Europa, principalmente da Alemanha, misturado e camuflado com os tais resíduos sólidos urbanos, foram parar nos “seguros” aterros sanitários. E os efeitos daquela bomba-relógio de que se falou no início, não demoraram muito se fazer sentir. Segundo o escritor Roberto Saviano (que vive sob severa proteção policial, semelhante a outro escritor, Salman Rushdie), em seu livro Best seller mundial – Gomorra –  denuncia: “Ecomáfia. O Triângulo da Morte está a poucos quilômetros de Nápoles. Lá, meninas menstruam aos 7 anos, ovelhas nascem com os olhos abaixo da boca e as taxas de câncer são as mais altas da Itália. Graças à indústria do lixo industrial dominada pela Camorra”.

“Cittá di Merda!!”. A situação em Camorra já foi assunto jornalístico, publicado no site da Glogo, o G1: Crise do lixo envolve máfia e pára sul da Itália.

A produção do queijo mussarela, verdadeiro patrimônio nacional italiano, caiu 40%, desde que as búfalas pastaram em antigos aterros, diz-que, recuperados e passaram a produzir leite tóxico. Vários países europeus proibiram a entrada de mussarela da Itália, bem como o Japão e a Coréia do Sul. Milhares de búfalos foram mortos e incinerados. O presidente Berlusconi, pessoalmente, supervisionou a operação.

Esta mesma máfia é acusada de afundar dezenas de navios carregados de lixo tóxico ao longo da costa italiana.

Embora muito mais se pudesse falar sobre o assunto, quero finalizar dizendo que a solução para o lixo urbano no Brasil, talvez passe pelos tais aterros sanitários. Talvez, não, mas o que a mim me parece claro é que não passa pelo açodamento que está ocorrendo em Belém com a licitação do aterro do Aurá e a implantação do de Marituba, este, inclusive, sem sequer ser cogitada licitação por ser empreendimento dito particular. Nem o tal prazo de lei para que as prefeituras “dêem ao lixo o destino adequado” é motivo para que se negligencie com as cautelas para evitar um desastre para a atual e as futuras gerações.

Esse prazo, verdadeira espada de Dâmocles parece até de caso pensado, já que pouquíssimas prefeituras têm condições técnicas e intelectuais, sequer para buscar recursos para tal empreitada. Assim, são presas fáceis para o primeiro Salvador da Pátria que se apresentar e, sem qualquer insinuação malévola, máxime às vésperas de um pleito eleitoral municipal.

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A MALDIÇÃO DO CACHIMBO DA PAZ

A MALDIÇÃO DO CACHIMBO DA PAZ
André Costa Nunes

Morei uns tempos no Xingu. Exatamente no Rio Iriri, quase na foz do Riozinho do Anfrísio. Tinha então, dezessete para dezoito anos. Havia parado de estudar. Tuberculose. Depois de uma curta temporada em uma casa de repouso no Ceará, aliás, um velho convento de freiras na Serra do Estevão, recomendação do Dr. Cândido Pereira, meu médico em Belém, fui dar com os costados no Seringal Praia. Era preciso completar um ano de tratamento e repouso, diz-que absoluto. Esse tal absolutismo naquela idade não durava três meses.

Na volta do Ceará, com a concordância do médico, eu me deveria recolher a uma fazenda, pois tuberculose é uma doença antissocial. Tudo separado e bem fervido. Dos lençóis às louças. Principalmente as louças. O isolamento no interior era altamente recomendado, uma vez que as famílias procuravam esconder ao máximo a doença. Ia-se ao “tiziologista” quase às escondidas.

O seringal não era exatamente uma fazenda. Tinha, se muito, umas cinquenta cabeças de gado. O suficiente para garantir leite mugido e gemada com mastruz, absolutamente necessários à superalimentação prescrita.

A Farmácia do Povo, que fornecia medicamento para o seringal, aviou a receita. Um verdadeiro arsenal de comprimidos, frascos, seringas e agulhas – não descartáveis, claro – e mais alguns fortificantes que minha mãe receitou ou as comadres sugeriram. Era muita coisa. Estreptomicina, soro para diluir, hidrazida, P.A.S., e não sei mais o
quê. Eram uns comprimidos enormes, tomados a mancheias, mais de vinte por dia.

Como o tratamento durava um ano, tive que interromper os estudos. Tuberculose era excludente. A parte boa foi que não poderia mais ir para a Escola Militar de Agulhas Negras, sonho da minha mãe.

Pois bem, oito meses se haviam passado, desde a descoberta das tais “cavernas com nível líquido no Lobo superior esquerdo” e já tinha até me esquecido que era um “doente”, mas sem esquecer de fazer, religiosamente, a medicação, até por que minha prima Marluce, escalada para tomar conta de mim, não deixava.

Nos primeiros tempos, apenas lia, deitado quase o dia todo em uma rede branca, no alpendre do barracão. Os amigos de infância, filhos dos seringueiros, no fim da tarde, sentavam-se no chão para um dedo de prosa. Mas, depois desse tempo, como se disse, a vida seguia normal, como sempre fora. Banho de rio, pesca de tracajá, canição, caçadas.

Paradoxalmente, foi quando aprendi a fumar. Ainda não exatamente um vício, mas, por distração e prazer. Alguns dos meus amigos, fumavam, mascavam e cheiravam rapé. Sem censura e sem remorso.

Nessa época apareceu por lá um grande sertanista, Chico Meireles, com uma récua de índios recém atraídos desgraçadamente para o, diz-que, amparo do SPI – Serviço de Proteção aos Índios. Com eles veio um “caboco”, com mais ou menos a nossa idade, que fez amizade com o Patoti, nosso companheiro, primo do meu irmão Frizan, que apesar de ser índio xipaia, falava a gíria caiapó. Talvez, por isso mesmo, logo estava fazendo parte da turma. Dizia chamar-se Mburá, ou coisa parecida. Para nós virou Imbuá. Tudo para ele era inusitado. Novidade mesmo. Do isqueiro Zippo do Bicoca, à lanterna de seis elementos do Joca. Não conhecia sequer o sabão. Claro que fazíamos com ele todo tipo de gozação, mas depois de algum tempo, não conseguíamos mais sair sem ele. Aí, já era ele que aprontava todas conosco, inclusive sumir e nos deixar perdidos no mato. Quando já estávamos próximo do apavoramento ele aparecia rindo, pulando e dançando. Com ele não aprendemos nenhuma palavra em caiapó, além das poucas que já sabíamos.

Cedo ele aprendeu todos os palavrões em português e, para nosso desespero, os repetia com a maior naturalidade na frente de todo mundo, até do padre Júlio, quando estava de passagem pelo seringal, batizando e casando por atacado.

Certa vez, na Praia do Cordeiro, pouco abaixo do Barracão, quase na boca do Riozinho, estávamos pescando de linha e o peixe estava escasso que nem beliscava. Talvez por que a lua estivesse a um dia da cheia, mas o que importava mesmo era o papo. Papo de beira não tem fim. Quando tirei da boroca a bolsa de tabaco e comecei a esfarelá-lo na palma da mão, Imbuá ficou me olhando com o cenho franzido. Enrolei o fumo com displicência e imperícia no abade Colomy e acendi o cigarro porronca, mal enjambrado, no tição da fogueira. Ele então fez um gesto indagativo para mim que não entendi. Ambos olhamos para o Patoti,
tradutor oficial da turma. Ele chegou perto do caiapó que explicou em sua língua. Patoti ouviu, ficou pensativo por um segundo, depois caiu na risada:

– O caiapó é mesmo retardado. Ele quer saber por que tu estás fumando, se não é festa e não tem mosquito.

Com esta, em meio a gargalhadas encerramos a pescaria zombando do aparvalhado Imbuá, que também ria sem saber de que.

***

Dez anos depois, talvez menos, nos encontramos em Altamira. Imediatamente, antes de completar os salamaleques de praxe, rumamos para o bar do Mimi. Tanto papo para por em dia pedia cerveja gelada.

Não sei quantas horas passamos no bar, nem quantas garrafas de cerveja rolaram. Ou mesmo cachaça. O assunto, também não me lembro, mas uma observação do Bicoca ficou martelando na minha cabeça.

– Porra André tu fumas pra caralho. Quantas carteiras por dia?

– Cinco, disse quase com orgulho.

Nenhum deles havia fumado tanto, aliás, praticamente não eram fumantes, apenas, exageravam, com dois ou três porroncas nas pescarias, à noite, quando o carapanã sovela do pedral atacava “de turma”, como se dizia por lá.

Essa minha corriola do seringal quase nunca se aventurava em sair de Altamira. Não havia televisão ou cinema. Nem sorvete tinha. Por isso, era difícil, para eles, entender a aura do cigarro que envolvia alguém, pelo menos medianamente cosmopolita como eu. Não dava, até para não parecer pedante, falar dos bares da vida, das boates, onde a freqüência se media pela fumaça que pairava no ar. Café Central e Bar do Parque em Belém. No Rio de Janeiro, o Beco das Garrafas, as gafieiras, Elite e Estudantina, o chope do Amarelinho e do Cabral 1500 e, principalmente o que fazer com as mãos sem um cigarro. Sim, aquela coisa maravilhosa que existia para desinibir o jovem e diminuir a distancia dos ídolos de então.

Hunfrey Bogart, James Dean, Marlon Brando, Vinicius de Moraes. Os charutos do Fidel, do Guevara, do Tom Jobim. As piteiras das divas Marlene Dietrich, o Ajo Azul, Rita Hayworth, a Gilda e por aí vai. Não há nada mais sensual de que uma mulher fumando. É, isso não dá para explicar para minha turma do Xingu.

***

Ontem cheguei de Altamira. Todo ano eu vou por lá e sempre encontro um ou outro da velha guarda. Desta vez estavam todos, ou quase todos. Até o Imbuá que assumiu de vez o nome. Imbuá Caiapó. Isso na nossa velha e boa ortografia portuguesa, mas quando o registraram usaram a língua oficial alienígena, indefinida, das ONGs, dos diz-que antropólogos e da FUNAI, que substituiu o S.P.I., e virou Ymbuah Kayapó. Assim, mesmo com “k” e “y”. Frescura. Piloto de balsa da mineradora Canopus. Aposentado. Também estava lá o Eduardo Besouro, intelectual da turma, professor, que adorava contestar minhas teses. Ele, sem sair de Altamira, sempre foi o mais inteligente e culto de nós todos.

Nem sei quanto tempo se passou desde aquele encontro no bar do Mimi. Foram décadas. Agora, todos avós, e só o Imbuá teimava em não ter cabelos brancos.

– Esse índio filho da puta deve pintar o cabelo escondido, disse o Joca só de sacanagem.

O papo começava a animar quando de repente todo mundo parou. É que eu, instintivamente, havia tirado um cigarro do bolso. Estávamos no gramado em frente ao restaurante Tucunaré, na Rua da Frente.

Fiz pose. Quis botar moral. Bancar o durão. Não deu. Apelei.

– Porra, cara, não. Aqui, não. Já não aguento mais esse tipo de patrulhamento. Parece que todo fumante é leproso. Eu sou viciado, dependente químico, e daí? Não faço mal a ninguém. O cigarro é a única droga que não mexe com a psique do drogado, não altera a sua personalidade e não se conhece um caso de alguém que haja fumado um maço de Free e tenha saído por aí a fazer merda.  As pessoas já olham pra nós com ódio. E isso é no mundo todo, mas aqui, não dá! Há muito que tenho pensado seriamente em mudar para a maconha. É muito melhor aceita, é Cult, tem até marcha, com direito a aplauso e tudo. Dizem que já há mais de duzentos congressistas a favor da liberalização. Até o FHC! Já pensaram quando eu desembarcar aqui e alhures, do alto dos meus setenta três anos, cabeça branca e suspensório retrô, fumando um tremendo tarugo de canábis? No máximo vão dizer: “pô, esse velho é irado”, mas não vão me discriminar. Dá um tempo! Principalmente Patoti e Imbuá. Não esqueçam, seus merdas, que foram os índios que inventaram essa história de fumar. Arrematei meio que rindo amarelo.

O silêncio continuou por um tempo. Menos de trinta segundos, acho, mas pareceu uma eternidade, até que o “professor” Eduardo falou. Didático, sem censura, pausadamente, como é seu costume de sempre falar:

– Deca, pára com isso. Esse papo até que é bonitinho para fazer graça. Conversa de botequim. Mas se estiveres falando sério, não estarás respeitando nossa inteligência. Somos solidários contigo, e sabemos o que é uma dependência química. Faz tempo que acompanhamos tuas peripécias e sempre achamos que não chegarias vivo ao final do ano. Não falo das malárias e das tuberculoses. Isso é pinto. Curou, tá curado. Falo do exagero do teu cigarro que é droga de uso contínuo. Soubemos que há uns quatro anos tiveste uma isquemia cerebral lá em São Paulo. Ano passado, aqui na Transamazônica tiveste uma trombose na perna. Além de enfisema, fazes coleção de safenas, mamárias e stents. Quando falas assim estás sendo irresponsável, pois, como escritor és formador de opinião, e não é todo mundo que tem um bom plano de saúde e um filho pneumologista para segurar as pontas. Lamentar não é repreender, censurar. O teu amigo mais novo, aqui, o é há mais de meio século.

De repente ele parou como que engasgado. Tomou um copo de cerveja, forçou uma risada e continuou agora em tom menos solene:

– Ah! E essa história dos índios e do tabaco foi no fundo a grande lição que a humanidade não entendeu. Foram dizimados, quase extintos pelo fumo.

– Com essa, agora eu pirei. Pára, professor. É muita viagem. Acho que quem está dando de pau na canabis és tu, falou o Bicoca.

A tensão arrefeceu e fiquei aliviado por não mais ser o assunto do papo.

– Essa eu quero ouvir, falei.

– Pensa bem, os índios descobriram a maravilha do tabaco, concordam? Pois é, mas nunca se ouviu falar de índio viciado, dependente químico, como esse porra aqui. Tabaco nunca matou índio ou índia. Nunca ninguém viu curumim fumando. Pois é, a morte veio de maneira indireta, por portas e travessas. Fez uma pausa e continuou. Foram dizimados porque fumaram o cachimbo da paz com o invasor. Talvez houvesse sido de caso pensado. Vingança. Maldição!

Pedimos a conta, acendi outro cigarro. Ninguém falou, apenas, senti em todos a quase certeza que na próxima reunião haveria pelo menos um desfalque.

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Em postagem no blog Flanar, minha querida amiga, Marise Morbach, deu-me a honra de transcrever este artigo por lá. E, o que também muito me honra, foi comentado pelo médico pneumologista, Roger Normando, assim

Marise,

A bem da verdade, uma aula de tisiologia e pneumologia contemporânea que poderia muito bem ser a abertura de qualquer congresso médico por essas imediações das ciências. A fala do André trepida em mim, em nós. Tenho lido esse autor com certa intensidade por iniciação do próprio André-Filho, o pneumologista, por quem tenho admiração profissional e pelo fato de trabalharmos muito próximos. Enviarei este texto a todos os pneumologistas do Brasil, no sentido de que seja possível dar uma aula de Tabagismo, Enfisema, Tuberculose e Câncer de Pulmão apenas contando causos e mais causos.

sexta-feira, setembro 07, 2012 9:34:00 PM

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Jamburana desgraçada!!! – by, Citadino Kane

O cartunista André Abreu sabe o que é Jamburana, olha a tirinha acima.

André Abreu é cartunista de mão-cheia, eu, ele, J.Bosco e Elias Pinto experimentamos juntos a famigeradaJamburana e o resultado foi muito louco…

Encontrei com o velho e bom Xamã André Nunes andando pela 28 de setembro no Comércio e sinceramente não tive como justificar a minha ausência no Terra-do-Meio. 
André Nunes é o nosso Xamã dos Xipaias, ele recebeu dos sacerdotes da tribo a missão de produzir a bebida que liga um mundo ao outro mundo… Obrigado André por permitir conhecer essa outra dimensão, é uma experiência muito louca.

Xipaias é uma tribo antiga do Xingú.

 

Mais? Então, vá aqui no Blog do Pedro Nelito!

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PARAGUAI: UM GOLPE DE MESTRE

Paraguai: Um golpe de mestre

andré costa nunes
andre@terradomeio.com.br

Vamos começar pelo final. As elites paraguaias descobriram a pólvora. Descobriram o golpe de um e noventa e nove.

Nesses tempos cibernéticos de evolução em progressão exponencial nada mais antiquado de que botar tropas e tanques nas ruas fazer declarações bombásticas de salvação nacional e outras baboseiras mais.

Basta comprar vinte e nove senadores!

Quer coisa mais baratinha? Uma verdadeira pechincha para as multinacionais Monsanto, Cargill, latifundiários e quejandos.

Um país inteiro a preço de banana. Sem disparar um tiro. Sem prisões, desaparecidos ou tortura, a não ser aquela parte da população, aliás, a maior parte, que chamam lá de excluídos, campesinos, pobres, pueblo.

Mas esses não contam. Nunca souberam o que era bom para sua própria pátria.

Importam mesmo são os vinte e nove senadores.

O Bial os chamaria de “nossos heróis”.

Não me espantaria se os PIGs da América Latina e, mesmo, a anglossaxônica os chamassem de “Os vinte e nove de Esparta”.

De qualquer maneira foi uma lição de criatividade. Simples como tudo que funciona.

Golpe de mestre. Esperteza. Malandragem. Canalhice.

É preciso ficar velhaco, por as barbas de molho ou, como se dizia antigamente, e bota antigamente nisso, aqui d’El Rei, tem mouros à costa, porque se a moda pega…

***

O Paraguai é um país pequeno e pobre. Muito pobre. Tem a mesma população do Estado do Pará que tem mais de três vezes o seu tamanho, aliás, essas comparações devem ficar por aí. População e área. Até porque, o Pará consegue ser muito mais pobre, o povo vive pior e tem o dobro de analfabetos.

O país não tem indústrias, gás, petróleo, ou qualquer outro mineral em exploração significativa. Vive do contrabando para o Brasil, do tráfico de drogas, armas, e de duas grandes hidrelétricas de parceria. Itaipu, com o Brasil, e Yaciretá, com a Argentina. O rebanho bovino é menos da metade do existente no município de São Félix do Xingu, aqui, no Pará.

O resto é o grande latifúndio de grileiros paraguaios, brasileiros e brasiguiaos. Farinha do mesmo saco. Saco de soja. Experimental. Transgênica.

Ao fim e ao cabo, a mesma comandita a dividir o país e as gentes.

Gente sofrida, bonita, lutadora, sonhadora, orgulhosa de ser guarani.

Eles não merecem, não com a nossa conivência ou, mesmo, indiferença, mais esse golpe. Agora, para gáudio dos golpistas de plantão, daqui e de alhures, diz-que, constitucional.

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